Mas o tempo urgia e lá fui eu me amassando até a roleta, onde, forçando um sorriso, arrisquei comentar: “Atrasadão, né?...”.
Mais sonolenta do que ranzinza, a cobradora miudinha resolveu contemporizar. Gritou virando lá pra frente, com certeza de que o motorista iria ouvir: “Manelão, tamo no horário?”.
Eu nem esperei a resposta e me mandei lá pro fundão, porquê as vezes essas reclamações viram emendas piores do que sonetos. O ´Manelão´ nem aí. Mulato forte e alto, cara redonda e sorriso distante no olhar, tocava o busão lotado e nem se incomodava com o enorme volante roçando sua barriga pra lá e pra cá, e muito menos com os passageiros, que não paravam de reclamar.
O Manelão ia muito tranqüilo, andando mais devagar do que o normal. ´O motorista não anda` repica ali, ´Assim vou me atrasar` pipoca acolá, e de repente chiadeira geral, o Manelão conseguira confundir o itinerário e foi uma balbúrdia até retornar. Quarteirão errado, curva mais fechada, marcha-a-ré, e a turba começando a enfezar.
O Manelão nem aí, retomou o caminho certo e continuou andando devagar. Enquanto alguns passageiros iam descendo reclamando, outros continuavam viagem comentando. O Manelão ia MUITO devagar. Tão devagar que chegou até o extremo de dar preferência num cruzamento para um automóvel pequeno, que não conseguia atravessar.
Como eu desço perto do ponto final, quando chegamos lá o ônibus já estava quase vazio. Depois de uma eternidade, dei sinal de parada, me coloquei a postos na escada e me preparei para saltar rapidamente.
Como uma criança contente, o Manelão parou bem encostado à calçada, olhou pelo retrovisor interno, me cumprimentou simpático, e ficou olhando até eu descer. Como o trânsito estava parado, caminhei alguns metros ao lado do ônibus e pude ouvir a cobradora agora simpática colocar metade da cabeça pra fora e justificar: “Começou hoje... ainda não decorou o caminho... amanhã ele vai melhorar...”